Rascunho

Carta a dois namorados

Soube que vocês andam a se desentender. A cada fim de semana, feriado, folga, movem céus e terra para se encontrar. E cada um desses encontros termina em discussão, briga, desentendimento.
Sei que seu amor surgiu numa grande cidade, um encontro bonito, especial. Apaixonados, foram apartados: um pra lá, outro pra cá. Enquanto passa a semana contentam-se com o que há: amigos, trabalho, alguns programas quase solteiros. Ao mesmo tempo conversam, mandam torpedos, escrevem e-mails, imaginam como seria bom estarem juntos. Ele lá, ela cá. Ela lá, ele cá. Dois mundos, dois pontos de vista, tantos sonhos.
Para uni-los, não bastam os interurbanos. Desejo pede beijo, abraço, sexo. Quer conversas, companhia, passeios. Tem sede de (re)viver de novo tudo de bom que já existiu. Haja dinheiro: por ar e por terra, a saudade pede passagem.
E no encontro sobra desentendimento. Frases ressoam quando escuto a história: amor dá trabalho; tentar reviver o que já passou. Cartografias de mim enquanto olho pro outro. A velha angústia do desencontro no encontro.

Dedilhar a morte

Na ponta dos dedos, eletricidade. Vontade de parar, num dia claro de sol extremo. Cessar, deixar de existir. Sem contas, sem luta, sem drama – morrer e só. Só morrer. Deixar esta existência, as dores, os sorrisos, os amigos, a família. Tudo isso até seria fácil. Duro imaginar quem iria cuidar do quarteto felino.
Em seus dengos, carinhos e ronronados me enrolo à vida. Esta vida sem gosto que teima em me habitar. Esperança, esperança. som e fúria. novos caminhos?

O segredo da beringela

Lá pelo fim de outubro, PP me pediu uma receita de beringela… Além do escabeche básico que faço há milênios, com tomate, azeite e manjericão, achei uma outra receita na internet. Ela testou e aprovou – para completar, descobriu o segredo deste vegetal violáceo: a água.
Tempere a água com tudo o que puder: vinagre, sal, ervas compatíveis. Aquela água perfumada garante a graça da receita. De resto manda ver como está aí em cima: misture com tomate azeite e manjericão.

Ainda o Amor

Antonia e Luigi disparam a vontade de de encontrar um caminho.
Fico meio sem chão: uma parte voa, outra fica. Ulilope, Penesses… híbridos surgem
No meio da luta pela sobrevivência, a questão amorosa é uma questão sensível. Máquina celibatária concreta, me vejo relendo a tese da Marga, o texto da Sueli no Micropolíticas. Em busca de respostas prontas para algo que só eu posso fazer. É o meu processo, a minha busca. Como ir se não tenho como manter meu chão, meu teto? Movimento complexo.
Na primeira semana depois do encontro, ficou a vontade de outro bom encontro amoroso. Bom no sentido de disparador, rizomático – a deliciosa catapulta que me faz visitar céus e infernos, descobrir novos horizontes, visitar outras paisagens e armar minha rede na varanda da casa alheia. Revisitar, aterrorizada, as velhas formas cristalizadas de me relacionar.
Desejo sutil, potente e eletrizante de experimentar de novo o tal do amor.E na experiência, aprender novas regulagens, outras modulações. Não tenho coragem! As oportunidades batem na minha porta e eu posso vê-las, senti-las, afetar-me. Não tenho coragem. Também não tenho medo. Fico achando que não quero, ainda não chegou a hora. Vejo, muito perto, a possibilidade de ser capturada pela velha balela da alma gêmea.
No instante seguinte ao nosso encontro, sentei e revisei o texto que escrevi para encerrar um grande amor. Reescrevi, mudei sutilezas. Quero dividi-lo? Publicá-lo? Não sei, não sei. Quero rever, sim. Só o texto. Nem pensar em chegar perto daquele homem que despertou tanto! A tranquilidade emana da distância. Aqui, fora da roda viva e dos afetos que o amor dispara em mim, posso me sentar e apreciar a paisagem, regular os fluxos, escolher os caminhos. Quero isso num encontro. Quero aquilo num encontro. Quero tanto no (e do) encontro – e acabo de mãos vazias.
Volto a fechar o diafragma, proteção instintiva e pronta contra todos os males. O amor é um mal?

SE VOCÊ VOLTAR(Letra: Ângela Rô Rô/ Antonio Adolfo)
O amor é bom e ruim
O amor costuma ser mesmo assim
São as penas que ajudam também
A voar para o além

Mas se você voltar e me ajudar a conhecer
Aquele fogo brando do amor
Que nós deixamos morrer
Se você voltar e me ajudar a conseguir
A luz que guiará nossos axés até se ir

Quem é forte e nega seu próprio amor
É tão fraco que não suportou a dor
É melhor se perder prá depois reviver todo um bem

Mas ser você voltar e ensinar a essa gente
Que mais vale um amor mesmo que seja
Assim tão quente, ao ponto de queimar
O coração e a nossa mente que ser feliz
É só não desistir tão facilmente

fluxos

Atravessamentos, rizomas, madureza da vida. Confusão!
Compromissos, falta de grana, navego e rolo de rir – viva o Firefox com Stumble
sinto-me em falta com o ritmo que mereço
sinto-me pequena
mas sou grande