Endings – separação e afastamento como atos de mudança

Trechos extraídos do livro Realidade Somática, de Stanley Keleman

Endings são sinais que partes de nossa vida ficaram obsoletas, que precisamos mudar um relacionamento ou um comportamento, que o padrão de nossa vida está prestes, outra vez, a se reformatar.
(…) Endings são uma desconfiguração, um processo emocional de distanciamento, um retraimento, uma concentração que dá origem a um aumento de excitação e sentimento. (…) Endings geram conflito entre ficar e partir. Cria-se um espaço, um vazio, um vácuo, tanto no mundo objetivo quanto em nosso soma. (…) interrompem o que havia sido estabelecido como sequencial e ordenado. Relacionamentos atravessam mudanças – movidas por razões internas – e, novamente, experienciamos o fluxo e o caos da vida (…) É caótico e pode ser assustador. (…)
A experiência real que as pessoas têm durante um ending é geralmente não-estruturada. (…) As desconfigurações dizem respeito a crises reais de identidade, os padrões de auto-reconhecimento. A vida prévia de nosso corpo está ameaçada e invalidada.
A peculiaridade do organismo humano é alcançar estabilidade apesar do permanente impulso para o crescimento e a mudança. Seu modo de buscar isso é através da estereotipia, apoiando-se em comportamentos repetitivos, que dão uma margem de previsibilidade e uma forma para a nossa identidade. (…) Quando os estereótipos e padrões de auto-reconhecimento são ameaçados, fazemos qualquer coisa para mantê-los.
Quanto mais energia investimos em um padrão, maior a excitação – e maior a ameaça de perda de identidade. (…) Os endings nos obrigam a encarar o desconhecido.
(…) quando padrões familiares de comportamento perdem a validade, precisam ser descartados. (…) A verdadeira sabedoria é quando reconhecemos um ending, ao invés de nos agarrarmos à ilusão de que há segurança nos padrões estáticos habituais. (…)
Alguns padrões tornaram-se tão ritualizados e aceitos, nossa ligação com eles é tão profunda, que sentimos que abrir mão deles é o mesmo que morrer. Podemos rejeitar intelectualmente um comportamento, mas ainda nos agarramos a ele emocionalmente.
Muitas pessoas tentam preservar seus relacionamentos em bases que funcionavam no passado para evitar transições ou crises. (…) essa atitude de não mudar as coisas, causa um enorme distresse. Isso inibe novas interações, impede a ocorrência de novas aprendizagens, desacelera o processo. Nós nos resignamos, os processos emocionais perdem o brilho, a vida do relacionamento seca. (…) Devemos permitir que mudanças ocorram para aprofundar os relacionamentos.
Quando uma situação chega ao fim, a disposição para estabelecer novos modos de ligação torna-se imperiosa. Uma pressão interna nos move a um novo contato conosco e com os outros, a estabelecer novas ligações, a ficarmos mais sensíveis à satisfação. (…)
Descobrir como impedimos endings nos ensina muito sobre como vivemos nossas vidas. Para fazer isso, é importante lembrar que nossa estereotipia não é apenas intelectual, mas também muscular. É o como de nosso estereótipo que dá forma e imagem à identidade. Tentar dar fim a alguma coisa sem perceber como estamos imersos nela torna o fim mais trágico do que precisaria ser. (…)
Quando terminamos alguma coisa, criamos um espaço. (…) É importante descobrir como se está lidando corporalmente com os sentimentos de falta de limites, de espaço interior, de mudança de impulsos.
É impossível aprender ou crescer se nos mantemos contidos ou rígidos. (…)
É importante reconhecer que um ending não significa necessariamente obliteração ou mutilação. Perder uma forma não significa romper, esquecer ou jogar tudo pela janela. É, muito mais, comprometer-se de novo com a corrente da vida. Endings não significam apagar. Significam tomar distância, mudar a conexão. (…) Os endings criam separação. Colocar fim (end) a laços emocionais não é necessariamente cortá-los. As ligações podem prosseguir tornando-se menos densas. Mas ligações podem se prolongar e se aprofundar ao mesmo tempo. Podemos investir mais de nós mesmos no mundo, criando longas correntes de sentimento – da tribo para o mundo, do mundo para a tribo.
Este tipo de ending ensina que proximidade pode se dar à distância, que sentimentos não acabam, mas mudam de forma, que terminamos um certo tipo de relação, um certo tipo de papel, mas não necessariamente rompemos, ao todo, as conexões.
Lembre-se que perder contornos, des-formar, des-estruturar são parte inevitável dos ritmos da vida, que endings acontecem a serviço da sobrevivência e da continuidade do ser biológico. (…)

Encontros

Cruzamentos de mundos, encruzilhadas sonoras.
Gostos, histórias, carreiras, vidas. Eu te conto a minha, você traceja a tua. Vamos trocando, paripassu, um dá, outro recolhe. Um dá outro, recolhe. O descompasso se insinua invisível: aos poucos, um dá mais que outro. A princípio nem se nota a diferença – é milimétrica. Com o tempo, senhor dos processos, abismos se abrem. Ninguém percebe…
Numa tempestade, arma-se um rompimento. Uma se marca pela insegurança, transfigura-se em muitas. Outro se fecha em copas. Conexões interrompidas. Igualdade restaurada? Qual nada. Perdem-se. Passam.
Volta a pergunta: o amor é um mal? Talvez não. Mas vejo os destroços enquanto arrumamos mais uma mudança. Companheiras antigas, ventanias verdes, hoje igualadas nas cores, refletimos.
Nos sabemos belas, desejantes, plurais e solitárias. Penélopes+Ulisses, guerreiras suaves. Acompanhadas pelos nossos irmãos, pais, mães, filhos, amigos. Revemos, olhos baixos e cabeça erguida. Cansadas, exaustas, exauridas. Já demos tanto, tanto, tanto. Para mais uma ver ver interrompidos sonhos. Mais um filme com final previsto.
Mesmo assim brilha, no final da escuridão, o lampejo da esperança, esta velha companheira. São teimosias, persisitências e buscas muito maiores e mais fortes.
Nem sempre é glorioso. Em geral, é bem humilde. Seguimos.

viver a leveza

Dias azuis sob o envoltório cinza, eterno em Sampa, pedem olhos bem abertos, conexões firmes, escolhas claras. O coração leve vai encontrando diamantes e o rosa se multiplica nas flores, tantas, que marcam este inverno.
Um homem maravilhoso, Allure, um belo restô, o sol… o vinho abre o coração e faz cantar “Sobe, Sobe, Sobe”. Velhas giras, muito velhas. As lembranças já não existem nem tremulam. Poeira cósmica, me deixam voltar ao estado inicial. Em busca_atenta_madura. Na minha janela as tardes cheiram Clarice e Zappa. Nos meus olhos, apenas o róseo, o bom, o belo. A cidade mais calma passeia em mim, multiplica os caminhos. Do plano digital apenas paz, sossego, amizade e carinho.

a viagem da mala sem alça – para o além

Eu queria me divertir – sexo, risada, boa conversa – e só.
Ele inventou de complicar – muito. Começou manso, com a velha sedução (deliciosa) de que os homens são capazes. Adoro ser seduzida, confesso.
A coisa estava boa, me deixei levar. Afinal, quem não gosta de ser bajulada, paparicada, ganhar montes de presentinhos, conversar com homem inteligente, pensante, que gosta das mesmas coisas que você? TODO MUNDO GOSTA!
Venci as reservas, deixei de lado a cautela e entrei de cabeça. Dei com o coco num embroglio horroroso: um homem indeciso, fraco, mentiroso. Nada verdadeiro. Que inventa mil histórias (dignas de boa ficção científica) para tentar não enfrentar decisões… Pena que não vi antes. Fiquei dois meses sentindo saudades das manhãs boas, dos papos no balcão da padaria, das conversas, de dormir de conchinha e da montanha de gentilezas. Tsc, tsc, tsc.
Meu amigo Zé Alencar, recentemente falecido, sempre disse: entre um burro e um canalha não passa o fio de uma navalha. Sempre tive este ditado em alta consideração – além de outras liçõezinhas impagáveis que ele deixou. Pois é. Agora descobri uma nova dimensão no ditado: a burrice pode não ser apenas intelectual (que sempre me chama a atenção), mas emocional. E gente burra emocionalmente é tão canalha quanto os outros.
Sou a favor de encontros. Sou pró-liberdade. Sou a favor de respeito. A pena que me dá é que eu admirava este homem – quase tirei do ar o post em que falava dele, no dia 16 de fevereiro. Não vou fazer isso, não. Vou me respeitar – já que ele não foi capaz – e manter tudo o que senti vivo.
Sem esta mala sem alça, carregada de pedras, a vida deslanchou. Ontem o dia foi difícil, mas bom. Hoje o dia foi melhor. E, tenho certeza, já já aparece alguém que me toque o coração de novo.
Ah, canalhas também são ótimos professores. Nos ensinam direitinho como consertar corações partidos e seguir em frente. Adorei a viagem. Já estou planejando a próxima. Algum candidato?