Ah, o amor

Por Marly de Oliveira, amiga de Clarice Lispector, em O Sangue nas Veias

Uma gema que fosse toda fria,
mas na aparência, e toda quente por dentro
e que tivesse a lisa superfície
do que se usa com grande atrevimento,
mas no íntimo; uma gema toda calma,
quase uma água esse fogo nos doendo,
um silêncio que fosse uma cascata,
mas do que o próprio fogo fosse o centro
e de que o próprio fogo fosse água.
Assim o amor, assim o que se espalha
e não se entorna, e vive do que vive,
e é móvel e capaz de ter limite;
assim o que se adestra e se dilata
como o sangue na veia, e é todo livre.

waiting, watching, waiting

Achei no Blog em Linha Reta, através da minha Alice cheia de voltas, um texto que me diz, me canta, me inspira.
Tenho milhões de coisas ingratas pra fazer mas estou aqui, exatamente aqui — onde podes me ver sentado, olhando pro horizonte e enxergando algo dentro de mim mesmo.
Não sei se te espero, ou se é só inércia.
Nem sei quê faço aqui, se é que faço.
Existisse uma cadeira de balanço, seríamos só eu e o balanço.
Não existisse balanço — como não existe sorriso teu — seria só eu, e o sou.
Nem feliz, nem infeliz, fico observando o vento — e nele não voa tua voz.

deeper and deeper


sunset deeper and deeper
Originally uploaded by Lucia Freitas.

Entre duas notas de música existe uma nota
entre dois fatos existe um fato,
entre dois grãos de areia por
mais juntos que
estejam
existe um intervalo de espaço
existe um sentir que é entre o sentir
– nos interstícios da matéria primordial
está a linha de mistério e jogo
que é a respiração do mundo,
e a respiração contínua do mundo
é aquilo que ouvimos
e chamamos de silêncio

Clarice Lispector

O Laço e o Abraço

Foto: reprodução de cartão de um quadro de Piero Della Francesca.
Para comemorar um fim, para celebrar o reencontro comigo, para agradecer aos amigos e à família, que sempre estão a meu lado. Principalmente, pela existência da tribo formativa, querida, especial, humana, presente.

Poema recebido por e-mail, de Augusto César
Meu Deus!!! Como é engraçado!…
Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço.
Uma fita dando voltas?
Se enrosca…
Mas não se embola,
vira, revira, circula e pronto:
está dado o laço

É assim que é o abraço:
coração com coração,
tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço:
um abraço no presente, no cabelo,
no vestido, em
qualquer coisa onde o faço.

E quando puxo uma ponta, o que é que acontece?
Vai escorregando devagarinho,
desmancha,
desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo,
fica solto no vestido.
E na fita, que curioso,
não faltou nem um pedaço.

Ah! Então é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento.
Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho,
mas pode se desfazer a qualquer hora,
deixando livre as duas bandas do laço.

Por isso é que se diz: laço afetivo,
laço de amizade.
E quando alguém
briga, então se diz
– romperam-se os laços.-
E saem as duas partes,
igual meus laços de fita,
sem perder nenhum pedaço.

Então o amor é isso…
Não prende, não escraviza,
não aperta, não sufoca.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço.
[update, 23/06/2007] Este poema é da psicóloga Maria Beatriz Marinho dos Anjos, de Belo Horizonte.

reunion

A janela

Johannes Carl Freiberg Neto*
Concentrei-me demais e já não ouço a tua voz
Sinto que me percorres ao redor, mas não te vejo.
Fica estreito o meu amor diante do pouco espaço que conheço
Andas insistente e me foges antes mesmo que te tenhas.

Assusta-me te pensar aqui tão perto e, acho que dentro,
Vendo cair sobre o solo frio e áspero as sombras de meu corpo.
Recuso tua alma assim como recuso te tocar
Mesmo o beijo que te entrego, deixo solto, volátil,

Reduzo a luz que inverte os sentidos, fechando os olhos.
Espremido e arredio deixo pender as incertezas que medito
È tão estranho e tão delicado este toque do olhar
Que duvido quanto da minha capacidade de te decifrar.

Aceno ao me ver extremo e distante de meus pensamentos.
Passo a mão pela face procurando uma razão. Não encontro.
Cintila um vermelho – púrpuro e amarelo pela fresta que se abriu.
O que será que existo ali?…..Aguardo o tempo mostrar?….Suspiro.

Reduzo ao mínimo minha vida, parando aos poucos de me mexer.
Não é inércia. È uma querência, uma urgência que não sei lidar.
Pergunto-me ( sem querer saber da resposta) o que faço com estes pedaços?
Artigos indefinidos de um mundo inexistente e prenhe de ilusões.

* Johannes, rolfista, começou recentemente a fazer poesia. É um colaborador esporádico e querido.