Carne fria

Estendida, a carne, que um dia foi “minha”, fria, fria fria.

A mesma que me ensinou a fazer nhoque, massa de torta.

A mesma que me deu milhares de fotonovelas absolutamente impróprias para a minha idade.

A mesma que me ajudou a caminhar, a estudar.

Aquela que sonhou que eu ia ser grande… casar, ter filhos (morreu sem isso, pecado)

Aquela carne que me deu abrigo no meio da tormenta, que me confortou quando os monstros entravam embaixo da minha cama, pela janela.

Os olhos azuis, azuis, fechados, já não vêm o meu sorriso – nem as minhas lágrimas

As mãos que fizeram aventais da pré-escola, tapetes de crochê e pegadores de panela se cruzaram, com o terço bonito sobre elas.

Foram as mesmas mãos que plantaram a flor de maio que está na varanda.

As mesmas que alisaram os meus cabelos. Elas mesmas.

As mesmas mãos que trocaram fraldas de duas gerações, que cuidavam de cachorros, gatos e plantas. Aqueles olhos que adoravam novelas – qualquer uma.

Adeus olhos. Adeus mãos. Alô tristeza.

vazio, vazio,

dear, dearest
faz tempo que não venho aqui
é porque estou de mudança (já já eu conto)
mas hoje eu precisava de um quebra-cabeças
porque a barriga esvaziou
o coração esfriou
Luto é assim: esfria, esvazia.
Acho que é para a gente encher de água os olhos
E lembrar de tudo de bom que já passou – e só é por nossa conta.
Eu só queria ser um pouquinho melhor. um tiquinho só já bastava

.o q é?

o que eu sinto? Qual o problema? por onde ando? o que faço?
Entalos, saltos quânticos, novos entalos. A vida enrosca mas resiste: quer mais forma. Dura a vida das formas ainda não maduras, sabem? Ser bebê parece fácil, mas começo a achar que é porque a gente não lembra…
Bons sonhos

como ela dá conta?

Eu queria saber como ela dá conta?
Ela achou e perdeu. Ela briga, luta, escreve, escreve, escreve. E está lá, na luta. Eu sei, ela luta. Do meio do pânico, do meio da vida que parece ser do contra. Segue. Emociona. Cuida da casa, do gato, das contas, do ridículo da burocracia. Cuida dos amigos, dá aula, inventa, inspira.
Tia… você é uma heroína. Eu te admiro. Do fundo do coração, minha linda. Te amo, quieta no meu canto, sem muitos tec-tecs, nada de msn, livro de visitas vaziozim. És a primeira, sempre. Depois vêm outras, muitas outras, todas queridas, que compartilham contigo as muitas gavetinhas do meu coraçãozim.
Ela cuida do dia, este mesmo dia que eu já quase não tenho coragem de olhar. Afinal, meu trabalho eu posso muito bem fazer na quietude da madruga, fingir que dou conta durante o dia (absolutamente sonâmbula) e depois mergulhar de novo na dor da madruga. E esquecer, na trabalheira e na pressão, que solidão pesa. Eu sei. Pesa toneladas.
E pelo menos, eu tenho um cobertorzim pretim, dengosim. E outro amarelo. e outro branco. E um invasor(a).
E pelo menos tem gente de olho ni mim. Gente querida, que me cuida de longe e de perto. E eu aqui, andando na beira do precipício. Dá um medão cair! E nestes dias de lua cheia pintou uma intuição: eu vou conseguir chegar do outro lado. Falta só mais um pouquim…