Apesar do apocalipse

O pau comia lá fora. As cercas com o logotipo do Palácio do Planalto marcavam a paisagem, junto com a pracinha ocupada por uma enorme tenda saída não se sabe de onde. Lá dentro, os cachorros velhos nem latiam mais para os estranhos que passavam. Tropeçavam nos móveis, deitavam por perto, peidavam.

E as cinco mulheres sentaram em volta da mesa e conversaram. Sobre mães, avós, filhas. Sobre a idiotice de cores para cada gênero. Sobre preconceitos. Sobre outras mulheres estupradas. Sobre o trabalho de faculdade da menina, sobre aborto. Sobre educação e escolas. E escolhas. E suas vitórias. E as derrotas.

Falaram da vida, de plantar café – e fizeram café também. E em volta das canecas, as mulheres conversaram. Contaram dos problemas. Contaram histórias. E o pau comeu lá fora. São Paulo perdeu, mas as cinco ignoraram. Três gerações. Avós, mãe, tia, filha. Todas em volta do café, da torta, da vida.

Ninguém olhou o celular, o Pokemon só apareceu para mostrar como funciona o jogo – e para minha surpresa tem um estádio na exata mesma pracinha em que tantos dramas aconteceram antes e depois das aulas durante a minha vida.

As mulheres falaram, não se emocionaram nem se inflamaram. Uma inclusive dormiu quando ouviu algo de que não gostou. Se ouviram. Uma família heterogênea, cheia de histórias juntas, misturadas. Caminhos que se escolheram, pessoas que se acolheram. Falaram da vida, do mundo, das suas relações.

E foi um bom domingo. Apesar do apocalipse.