A morte

Mais um deixa o convívio. Aliás, uma. Tia meio distante, com quem tive pouco contato. Mas sou fã dos primos (também distantes, também pouco contato). Enfins, coisas que fazem parte da vida. O enterro acontece amanhã cedo, em Santos. Não faz dois anos enterramos o marido dela, meu tio, no mesmo cemitério. Até têm um certo encanto as histórias de casais que não sobrevivem à morte. Chamam à cena o velho amor romântico, que já morreu – mas ainda não foi enterrado.
Este aqui é pra dizer do sentimento de ver carne virar só carne mesmo. Não mais Marilena, não mais tia. De ficar ao lado de um quase desconhecido, com quem tenho um laço de sangue, e ver ele se emocionar e quase se deixar tomar pela perda – até as tias chegarem perto e ele perder a tenue aliança que estávamos construindo à beira da mesa de aço. De ver a tia – que era mulher linda, que envelheceu bem – amarelo cera, rosto e mãos tão inchados, pura carne após a morte por câncer.
A meu lado, a dor da minha mãe – eu imagino, pela amiga, pela contra-parente, pela família que já não é mais dela. Coisas do contemporâneo: a minha mãe não faz mais parte daquela família.
Ver pulsos e impulsos nos vivos da família – as hesitações, a espera sem velório, não saber o que fazer sem o ritual, as primas, o primo que agora ficou órfão de pai e mãe. Lembrei do tio, em outra mesa de aço. Amanhã a esta hora, os dois peregrinos vão estar de novo lado a lado.