Rascunho

Carta a dois namorados

Soube que vocês andam a se desentender. A cada fim de semana, feriado, folga, movem céus e terra para se encontrar. E cada um desses encontros termina em discussão, briga, desentendimento.
Sei que seu amor surgiu numa grande cidade, um encontro bonito, especial. Apaixonados, foram apartados: um pra lá, outro pra cá. Enquanto passa a semana contentam-se com o que há: amigos, trabalho, alguns programas quase solteiros. Ao mesmo tempo conversam, mandam torpedos, escrevem e-mails, imaginam como seria bom estarem juntos. Ele lá, ela cá. Ela lá, ele cá. Dois mundos, dois pontos de vista, tantos sonhos.
Para uni-los, não bastam os interurbanos. Desejo pede beijo, abraço, sexo. Quer conversas, companhia, passeios. Tem sede de (re)viver de novo tudo de bom que já existiu. Haja dinheiro: por ar e por terra, a saudade pede passagem.
E no encontro sobra desentendimento. Frases ressoam quando escuto a história: amor dá trabalho; tentar reviver o que já passou. Cartografias de mim enquanto olho pro outro. A velha angústia do desencontro no encontro.

Dedilhar a morte

Na ponta dos dedos, eletricidade. Vontade de parar, num dia claro de sol extremo. Cessar, deixar de existir. Sem contas, sem luta, sem drama – morrer e só. Só morrer. Deixar esta existência, as dores, os sorrisos, os amigos, a família. Tudo isso até seria fácil. Duro imaginar quem iria cuidar do quarteto felino.
Em seus dengos, carinhos e ronronados me enrolo à vida. Esta vida sem gosto que teima em me habitar. Esperança, esperança. som e fúria. novos caminhos?