Mais uma estrelinha. No fim de maio, a Nina se foi.
Sim, de novo convivemos com Síndrome Renal e dessa fez nem deu pra socorrer. Enquanto eu lutava com a dor, procurava atendimento pra dar descanso, ela morreu.
Seu corpinho preto e querido, que sempre estava perto, gelou.
E quando eu estava começando a organizar essa postagem, veio outra perda enorme, monumental, acachapante – que fica para o próximo post.
[interrompi e sigo, quase um mês e meio depois, para registrar essa passagem]
Nina foi uma gata preta e doce. Um tanto tímida, parecia envergonhada. Sempre minúscula. Jamais esqueci o primeiro peso: 965 gramas. Tivemos nove anos de convivência. Sempre foi uma gata doce – e um tanto assustadiça. Era dona do meu colo quando me deitava – e pulava assim que eu me mexia.
Sempre em volta de mim, adorava ficar entre eu e o teclado – ou na minha frente, na mesa. Nunca se entrosou muito com os outros gatos. Ela e Beta viviam a trocar “fus” e patadas. Não foram poucas as vezes que tive de interferir.
Adorava brincar e seus preferidos eram a varinha de pescar e as bolinhas.
Nina foi na frente abrir caminho pra Vera. Nem deu tempo de engolir essa perda e já tomei outro caldo…
Eu tive câncer. Ela também. Nos tratamos juntas por um tempo. O estado terminal, nela, veio antes do meu…
Terça-feira, dia 6, escolhi por ela, que estava mancando, magrela, com dificuldade pra respirar: vai lá fazer companhia pro Tico, pra Charlote e pra todos nossos amiguinhos que já estão na paz.
Chorei muito. Tem um buraco aqui. Falta ela, a Priscila. A gata que odiava brincar com gatos – e era um grude doce, dengosa, companheirona.
E, depois de tudo, nossos corpos inertes deixam uma lembrança. E essa impressão sutil atravessa o universo, formada por nossas graças, olhares, afetos. É ela que fica ali, o tempo todo a lembrar: existimos, fomos, somos, seremos.
Ela é linda, ela é meiga, ela é querida. Tem nove anos, mais ou menos. Nesta foto, na noite do meu último aniversário, pesava cerca de cinco quilos. Começou a emagrecer e a fazer uma coisa esquisitíssima: comer o granulado sanitário…
No fim de maio, apareceu uma ferida. Parecia coisa de pele, levei ao veterinário. Tratamos. Ela apareceu com uma infecção pulmonar, sopro no coração, uma anemia braba e glóbulos brancos no pé. Tratamos a infecção – foram duas rodadas de antibióticos fortes. Ela deu uma melhoradinha e arrisquei: fui pro Descolagem no Nave e quando voltei senti o cheiro da encrenca. Veterinário ficou sem saber o que era.
De repente as articulações das patas incharam. começou na traseira esquerda, passou para a direita, chegou nas da frente. A gata encarangou, se entocou, eu precisava levar para fazer as necessidades, dar comida embaixo do nariz, água idem. Ela se entocou dentro de um armário, depois na cômoda, entre as toalhas, depois no outro armário, depois nas camisetas do EducaCamp, depois entre as minhas camisetas. E as visitas ao veterinário, semanais, quase, continuavam. Ele não desconfiava da razão.
Até que no começo de agosto, antes da maratona de eventos começar, eu respirei fundo e fui ao vet supermasterplus, especialistão em gatos, o cara que “cura” câncer e “faz milagres”. Recomendação do primeiro dos primeiros, um veterinário fofo a quem confiei meu tesouro mais querido: a Charlote.
Enquanto isso, a namorada de um amigo, também veterinária, que tem só 40 gatos, veio, olhou, viu os exames e disse: dê Leucogen para ela. Esclareço, este treco é um remédio usado para ajudar em quimeo e radioterapia, que ajuda a melhorar o sistema imunológico. Consulta com o mega master marcada, comprei o remédio e fui lá, na base do encaixe, com uma única pergunta: o que a Charlote tem?
Entrei no consultório. Lá estava o super professor da boa faculdade, cercado por 3 alunas e pela assistente. Contei a epopéia, a lista de medicamentos, mostrei os exames. Ele examinou a minha preta. Respirou fundo, olhou para mim e avisou “A perspectiva não é boa. Eu acho que ela tem um vírus que literalmente come toda a medula óssea e causa Leucemia”. Felv, na língua dos iniciados. Virus Felino da Leucemia (ou algo que o valha). Faça-se o exame e pelo amor de deus, me digam o que a minha gata tem!
Sangue retirado, fiquei só lá na sala, com uma veterinária loira e grandona, alemãzona, me consolando no momento de agonia com mil histórias de gatos. Dez minutos depois, o veterinário volta com um pedacinho de plástico nas mãos, um papel e uma frase: É pior do que imaginei.
Ok, dona Joaninha, quem mandou perguntar? “Ela tem FIV – o vírus da aids felina. Ele não é transmitido nem para humanos nem para cachorros, só entre gatos, pela saliva”. Ah, tá… E os outros três gatos que eu tenho em casa? “Podem ter ou não, precisamos testar. Muitos gatos são auto-imunes, simplesmente não desenvolvem a doença”. Faço o quê? Separo? “Não faça nada, se eles pegaram, já pegaram”. Ela viveu bem até os nove anos, sem nenhum sintoma. Ok, ok, um problema de cada vez. Lágrimas grossas desceram, pela primeira vez em muitos meses de peregrinação. Antes era só o coração apertado, a luta que terminava em derrota…
Ficou decidido que a gente tentaria banir a anemia, para poder dar o tal do AZT, o único retroviral que às vezes funciona nos felinos. Saí do consultório troncha, a gata fungava para os outros gatinhos da clínica de dentro do transporte… comprei o antibiótico, paguei a conta de tudo, entrei na farmácia de gente e comprei o levedo de cerveja e desci a ladeira (o consultório fica a duas quadras de casa) chorando. Chorei muito, muito, muito.
Isso tudo aconteceu há dois meses. Já se vão oito semanas de luta e remédios. A Charlote doce, meiga, carinhosa sumiu desde o episódio da “artrite” (que não era artrite, era uma infecção oportunista). Ela só comia aquele whiskas sachê, bla bla bla. consegui fazer o peso dela chegar a três quilos à base dos sachezinhos. E as feridas no corpo aumentando… Até que numa consulta eu resmunguei sobre as coceiras. Era o tal do sachê. Nhe! A gata quase ficou louca de dor e coceira, tadinha. Dá-lhe a ração hipoalergênica (que leva 80 dias pra fazer efeito…) e cortisona. Retorno em 15 dias.
Eu não quero que a minha gata sofra mais que o necessário e intrínseco à vida. Ela é amada-querida-idolatrada. Este serzinho que passou a vida me fazendo carinho, esquentando colo, amassando pão na minha barriga, brincando com suas bolinhas e dormindo com a pata no meu nariz, está tão doido de dor que se entala na rede de proteção, tenta fugir, desespero total… Segunda passou o dia todo chorando de dor. Nem o analgésico deu jeito.
Eu fiz o tal do retorno no mesmo dia. Eu só posso imaginar o que está acontecendo com ela. E vou dizer, não é bom. E tomei coragem para perguntar para onde a história vai… Saber perguntar é uma arte, estão sabendo? E ela está sofrendo bastante, o vet confimou. E já avisou que vai piorar. Quando pedi ajuda para definir o momento de dizer chega, ele meio tirou o corpo fora “você tem que decidir a eutanásia, eu só faço” (ou algo do gênero). Chorei de novo, mais que da primeira vez. Já pensou colocar para dormir um serzinho que só te deu carinho, alegria? Eu meio que já decidi. E aproveitei para explicar este assunto com o objeto do meu afeto.
O resultado da ópera trágica termina logo. Sexta-feira vamos ao dermatologista e vamos ver se o drama tem jeito. Mas ela tá ruim. Ontem eu travei de dor. No começo da noite desisti de tentar trabalhar, deitei no sofá embrulhada num edredom em busca de um tico de conforto. E o conforto veio, na forma de uma gata preta, de nove anos de idade, que se enfiou embaixo da coberta comigo e colocou a pata na minha cara. Ela sabe, ela entende, ela aceita. E eu tenho que tirar forças sabe a Deusa de onde para estar lá com ela e fazer o que tem que ser feito.