A minha primeira luta na vida foi por independência. Me lembro de, aos 13, querer ser “dona do meu nariz”. A expressão era a tradução da minha vontade de não ter limites, poder fazer o que quisesse, como quisesse, na hora que desejasse.
Mal sabia eu que o nome disso é liberdade – e que vem junto com uma outra palavra pesada, a responsabilidade. Graças a uma combinação muito especial de fatores, eu, a rebelde, sempre fui uma pessoa disciplinada. Aparentemente impaciente, também tenho o dom de esperar e trabalhar por objetivos que me parecem impossíveis.
Nunca liguei para impossibilidades. Me incomodam, de verdade, as injustiças. Eu nunca entendi como ou porquê virei jornalista, apesar de obviamente ter o dom da escrita e da expressão. Alguém sugeriu, fui lá e fiz, porque não conseguia perceber outra possibilidade para seguir em frente. (afff)
Trinta anos depois, uma carreira relativamente bem sucedida, divertida, interessante, eu só quero “outra coisa”. Qual? Não sei.
Acabo de repintar o apê. outras cores, paredes limpas (e o chão emporcalhado de tinta, que raiva) e mudanças na organização me ajudaram a repensar.
Quero continuar a viver no Brasil?
Como quero que a vida siga?
Enquanto vou imaginando e fazendo as respostas, encontro anotações minhas que dizem muito.
O que eu quero contar?
Medo de decidir.
O susto de ser livre.
Sou livre se não decido?
O lugar estranho entre a falta e a presença
(em algum momento de 2019)
Tudo é atravessado, temperado e vivido com a falta da minha mãe.
Os olhos permanentemente molhados. Eu com as roupas dela. Ela em mim, eu nela. Não mais filha, só Lucia. Encontrar nossas fotos, bilhetes. Ver sua letra em cartinhas, no meu livro do bebê, num envelope esquecido numa gaveta. Seu nome sempre comigo, nas fichas de atendimento do SUS, na carteira de trabalho, no passaporte. Eu e ela, ela e eu. E a saudade monumental, total, poderosa.
Desse centro doloroso eu sinto que nasce uma nova mulher, outra. Há uma certa revisão de escolhas, há silêncio e reflexão. A respiração provê (ou se suspende) o pulso que vem com alívio, culpa e um amor que já não tem um quem. Amor que sobrevive e parece que se intensifica com a ausência.
Minha mãe, um farol de amor.