Ao longo dos anos aprendi a aprender: ver e ouvir, tatear minhas medidas, viver meus mutantes tamanhos, pressentir meus movimentos mais profundos, navegar minhas próprias ondas.
E, finalmente, pude fazer, cada vez mais, os tais bons encontros. Nos bits, nas carnes, nos textos. Hoje ganhei um arranhão e um presente. Veio de uma gata selvagem que costuma fazê-lo – e por quem, pasma, descubro sentir compaixão, ternura, amizade. O carinho veio de um sorriso que só conheço na web e que reconhece, sem medo e de coração aberto, meu esforço para criar um outro lugar de comunicar. E este simples elogio, que reconhece minha intenção primeira – ativar emoções e mentes, avivar o leitor, acordá-lo para o vivo em si – pesca dentro de mim novas realidades.
De que serve sensibilidade diante dos brutos? A brutalidade, meus caros e caras, se disfarça em atitudes gentis e educadas, em namastês à frente do coração e em dedos que apontam erros.
Não há juízo de valor aqui, entendam. A brutalidade tem a sua função na vida – caso contrário, tenho certeza, não existiria. Ela faz par com o belo e o doce, compaixão e ternura.
E ao encerrar o dia, me satisfaço com realizações e erros. Viva!
Um sutra
Endings – separação e afastamento como atos de mudança
Trechos extraídos do livro Realidade Somática, de Stanley Keleman
Endings são sinais que partes de nossa vida ficaram obsoletas, que precisamos mudar um relacionamento ou um comportamento, que o padrão de nossa vida está prestes, outra vez, a se reformatar.
(…) Endings são uma desconfiguração, um processo emocional de distanciamento, um retraimento, uma concentração que dá origem a um aumento de excitação e sentimento. (…) Endings geram conflito entre ficar e partir. Cria-se um espaço, um vazio, um vácuo, tanto no mundo objetivo quanto em nosso soma. (…) interrompem o que havia sido estabelecido como sequencial e ordenado. Relacionamentos atravessam mudanças – movidas por razões internas – e, novamente, experienciamos o fluxo e o caos da vida (…) É caótico e pode ser assustador. (…)
A experiência real que as pessoas têm durante um ending é geralmente não-estruturada. (…) As desconfigurações dizem respeito a crises reais de identidade, os padrões de auto-reconhecimento. A vida prévia de nosso corpo está ameaçada e invalidada.
A peculiaridade do organismo humano é alcançar estabilidade apesar do permanente impulso para o crescimento e a mudança. Seu modo de buscar isso é através da estereotipia, apoiando-se em comportamentos repetitivos, que dão uma margem de previsibilidade e uma forma para a nossa identidade. (…) Quando os estereótipos e padrões de auto-reconhecimento são ameaçados, fazemos qualquer coisa para mantê-los.
Quanto mais energia investimos em um padrão, maior a excitação – e maior a ameaça de perda de identidade. (…) Os endings nos obrigam a encarar o desconhecido.
(…) quando padrões familiares de comportamento perdem a validade, precisam ser descartados. (…) A verdadeira sabedoria é quando reconhecemos um ending, ao invés de nos agarrarmos à ilusão de que há segurança nos padrões estáticos habituais. (…)
Alguns padrões tornaram-se tão ritualizados e aceitos, nossa ligação com eles é tão profunda, que sentimos que abrir mão deles é o mesmo que morrer. Podemos rejeitar intelectualmente um comportamento, mas ainda nos agarramos a ele emocionalmente.
Muitas pessoas tentam preservar seus relacionamentos em bases que funcionavam no passado para evitar transições ou crises. (…) essa atitude de não mudar as coisas, causa um enorme distresse. Isso inibe novas interações, impede a ocorrência de novas aprendizagens, desacelera o processo. Nós nos resignamos, os processos emocionais perdem o brilho, a vida do relacionamento seca. (…) Devemos permitir que mudanças ocorram para aprofundar os relacionamentos.
Quando uma situação chega ao fim, a disposição para estabelecer novos modos de ligação torna-se imperiosa. Uma pressão interna nos move a um novo contato conosco e com os outros, a estabelecer novas ligações, a ficarmos mais sensíveis à satisfação. (…)
Descobrir como impedimos endings nos ensina muito sobre como vivemos nossas vidas. Para fazer isso, é importante lembrar que nossa estereotipia não é apenas intelectual, mas também muscular. É o como de nosso estereótipo que dá forma e imagem à identidade. Tentar dar fim a alguma coisa sem perceber como estamos imersos nela torna o fim mais trágico do que precisaria ser. (…)
Quando terminamos alguma coisa, criamos um espaço. (…) É importante descobrir como se está lidando corporalmente com os sentimentos de falta de limites, de espaço interior, de mudança de impulsos.
É impossível aprender ou crescer se nos mantemos contidos ou rígidos. (…)
É importante reconhecer que um ending não significa necessariamente obliteração ou mutilação. Perder uma forma não significa romper, esquecer ou jogar tudo pela janela. É, muito mais, comprometer-se de novo com a corrente da vida. Endings não significam apagar. Significam tomar distância, mudar a conexão. (…) Os endings criam separação. Colocar fim (end) a laços emocionais não é necessariamente cortá-los. As ligações podem prosseguir tornando-se menos densas. Mas ligações podem se prolongar e se aprofundar ao mesmo tempo. Podemos investir mais de nós mesmos no mundo, criando longas correntes de sentimento – da tribo para o mundo, do mundo para a tribo.
Este tipo de ending ensina que proximidade pode se dar à distância, que sentimentos não acabam, mas mudam de forma, que terminamos um certo tipo de relação, um certo tipo de papel, mas não necessariamente rompemos, ao todo, as conexões.
Lembre-se que perder contornos, des-formar, des-estruturar são parte inevitável dos ritmos da vida, que endings acontecem a serviço da sobrevivência e da continuidade do ser biológico. (…)
Um bom encontro
Filhote de girafa
Presente da Regina Favre, hoje. Por que a girafa? Bom, eu sou comprida. E também posso ser tão desconjuntada quanto um filhotinho de girafa – principalmente quando estou aprendendo novos comportamentos.
E este é o caso no momento. Estou reaprendendo a ser trabalhadora, a ser jornalista, deixando de ser adolescente, num certo sentido. Vivo a tristeza e a satisfação de envelhecer e muitas contradições brotam, absolutamente desconjuntadas.
E da desconjunção girafística brotou uma mulher satisfeita, de pescoço comprido e rosto sério, atento, presente. Longa caminhada, hein, Favre?