Muita gente não sabe, mas eu tenho um filhote carioca, o Cadu Castro Alves. Fruto da blogosfera na minha vida, meu querido encontrou um poema do seu homônimo famoso que se chama… Lucia. O mais engraçado é que eu já ganhei um trecho deste poema numa brincadeira qualquer entre blogs – e tinha esquecido completamente disso…
Para ilustrar, fotoca tirada do fundo do baú por uma colega de escola. E vamos nós envelhecendo. O poema é triste, como só Castro Alves sabia ser. Não me diz, poucos brasileiros sabem me dizer. Talvez só eu – às vezes… de todo jeito, é presente querido e fica aqui guardado, no meu mapa (quase) abandonado…
Castro Alves
Na formosa estação da primavera
Quando o mato se arreia mais festivo,
E o vento campesino bebe ardente
O agreste aroma da floresta virgem…
Eu e Lúcia, corríamos — crianças —
Na veiga, no pomar, na cachoeira,
Como um casal de colibris travessos
Nas laranjeiras que o Natal enflora.
Ela era a cria mais formosa e meiga
Que jamais, na Fazenda, vira o dia …
Morena, esbelta, airosa… eu me lembrava
Sempre da corça arisca dos silvados
Quando via-lhe os olhos negros, negros
Como as plumas noturnas da graúna,
Depois… quem mais mimosa e mais alegre?…
Sua boca era um pássaro escarlate
Onde cantava festival sorriso.
Os cabelos caíam-lhe anelados
Como doudos festões de parasitas…
E a graça… o modo… o coração tão meigo?l…
Ai! Pobre Lúcia… como tu sabias,
Festiva, encher de afagos a família,
Que te queria tanto e que te amava
Como se fosses filha e não cativa…
Tu eras a alegria da fazenda;
Tua senhora ria-se, contente
Quando enlaçavas seus cabelos brancos
Co’as roxas maravilhas da campina.
E quando à noite todos se juntavam,
Aos reflexos doirados da candeia,
Na grande sala em torno da fogueira,
Então, Lúcia, sorrindo eu murmurava:
“Meu Deus! um beija-flor fez-se criança…
Uma criança fez-se mariposa!”
Mas um dia a miséria, a fome, o frio,
Foram pedir um pouso nos teus lares…
A mesa era pequena… Pobre Lúcia!
Foi preciso te ergueres do banquete
Deixares teu lugar aos mais convivas…
Eu me lembro… eu me lembro… O sol raiava.
Tudo era festa em volta da pousada…
Cantava o galo alegre no terreiro,
O mugido das vacas misturava-se
Ao relincho das éguas que corriam
De crinas soltas pelo campo aberto
Aspirando o frescor da madrugada.
Pela última vez ela chorando
Veio sentar-se ao banco do terreiro…
Pobre criança! que conversas tristes
Tu conversaste então co’a natureza.
“Adeus! pra sempre, adeus, ó meus amigos,
Passarinhos do céu, brisas da mata,
Patativas saudosas dos coqueiros,
Ventos da várzea, fontes do deserto! …
Nunca mais eu virei, pobres violetas,
Vos arrancar das moitas perfumadas,
Nunca mais eu irei risonha e louca
Roubar o ninho do sabiá choroso…
Perdoai-me que eu parto para sempre!
Venderam para longe a pobre Lúcia!…”
Então ela apanhou do mato as flores
Como outrora enlaçou-as nos cabelos,
E rindo de chorar disse em soluços:
“Não te esqueças de mim que te amo tanto…”
Depois além, um grupo, informe e vago,
Que cavalgava o dorso da montanha,
Ia esconder-se, transmontando o topo. . .
Neste momento eu vi, longe… bem longe,
Ainda se agitar um lenço branco…
Era o lencinho tremulo de Lúcia…
epílogo
Muitos anos correram depois disto …
Um dia nos sertões eu caminhava
Por uma estrada agreste e solitária,
Diante de mim ua mulher seguia,
— Co’ o cântaro à cabeça — pés descalços,
Co’os ombros nus, mas pálidos e magros …
Ela cantava, com uma voz extinta,
Uma cantiga triste e compassada …
E eu que a escutava procurava, embalde,
Uma lembrança juvenil e alegre
Do tempo em que aprendera aqueles versos…
De repente, lembrei-me. . . “Lúcia! Lúcia!”
… A mulher se voltou … fitou-me pasma,
Soltou um grito. . . e, rindo e soluçando,
Quis para mim lançar-se, abrindo os braços.
… Mas súbito estacou … Nuvem de sangue
Corou-lhe o rosto pálido e sombrio …
Cobriu co’a mão crispada a face rubra
Como escondendo uma vergonha eterna …
Depois, soltando um grito, ela sumiu-se
Entre as sombras da mata … a pobre Lúcia!