opinião, ainda que tardia

Que interessante.
Eu sempre tive opiniões próprias, muito minhas.
Acabo de perceber que raramente as expressava claramente. E que agora, por algum motivo (sim, eu tenho cá minhas suspeitas) eu consigo as dizer, desenhar e mostrar.

livre?

dia das mães, 2016
nós quatro, dia das mães, 2016

A minha primeira luta na vida foi por independência. Me lembro de, aos 13, querer ser “dona do meu nariz”. A expressão era a tradução da minha vontade de não ter limites, poder fazer o que quisesse, como quisesse, na hora que desejasse.

Mal sabia eu que o nome disso é liberdade – e que vem junto com uma outra palavra pesada, a responsabilidade. Graças a uma combinação muito especial de fatores, eu, a rebelde, sempre fui uma pessoa disciplinada. Aparentemente impaciente, também tenho o dom de esperar e trabalhar por objetivos que me parecem impossíveis.

Nunca liguei para impossibilidades. Me incomodam, de verdade, as injustiças. Eu nunca entendi como ou porquê virei jornalista, apesar de obviamente ter o dom da escrita e da expressão. Alguém sugeriu, fui lá e fiz, porque não conseguia perceber outra possibilidade para seguir em frente. (afff)

Trinta anos depois, uma carreira relativamente bem sucedida, divertida, interessante, eu só quero “outra coisa”. Qual? Não sei.

Acabo de repintar o apê. outras cores, paredes limpas (e o chão emporcalhado de tinta, que raiva) e mudanças na organização me ajudaram a repensar.

Quero continuar a viver no Brasil?

Como quero que a vida siga?

Enquanto vou imaginando e fazendo as respostas, encontro anotações minhas que dizem muito.

O que eu quero contar?

Medo de decidir.

O susto de ser livre.

Sou livre se não decido?

O lugar estranho entre a falta e a presença

(em algum momento de 2019)

Tudo é atravessado, temperado e vivido com a falta da minha mãe.

Os olhos permanentemente molhados. Eu com as roupas dela. Ela em mim, eu nela. Não mais filha, só Lucia. Encontrar nossas fotos, bilhetes. Ver sua letra em cartinhas, no meu livro do bebê, num envelope esquecido numa gaveta. Seu nome sempre comigo, nas fichas de atendimento do SUS, na carteira de trabalho, no passaporte. Eu e ela, ela e eu. E a saudade monumental, total, poderosa.

Desse centro doloroso eu sinto que nasce uma nova mulher, outra. Há uma certa revisão de escolhas, há silêncio e reflexão. A respiração provê (ou se suspende) o pulso que vem com alívio, culpa e um amor que já não tem um quem. Amor que sobrevive e parece que se intensifica com a ausência.

Minha mãe, um farol de amor.

Mãe, Vera, Veroca

Nós morremos, esse pode ser o significado da vida. Mas nós fazemos linguagem. Essa pode ser a medida de nossas vidas.

Toni Morrison, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura

Minha mãe morreu segunda-feira, dia 17 de junho. A última imagem dela foi numa cama de UTI entubada, cheia de cânulas e tubinhos, com monitores de medicamento e batimentos cardíacos. Lembro (como não sei) que a primeira linha marcava 110, a segunda 68 e a última 33,2 graus. Eu não sou médica nem enfermeira, mas o olho registrou. Também ficou a noradrenalina, um dos remédios.

Mas a Vera de quem vou me lembrar de verdade é outra – algumas versões aí em cima. Será a mulher que sempre arrancou a própria pele para ajudar os outros. A amiga alegre da Iara, da Cândida, da vó Nina, da Cleide e tantos outros. A prima que adorava seus primos Ferreira Cintra, a tia que cuidava dos sobrinhos Botelho, babava com as fotos e notícias dos dois sobrinhos-netos, e só não ficou mais perto dos Teixeira de Freitas porque a gente tem mesmo esse defeito genético de ser um tantico distante – mas também somos seres amorosos, garanto a vocês. 
Minha mãe teve muitas cunhadas que amou. A Tia Maria Helena, mãe do João Paulo, do Luiz Francisco, da Maria Fernanda. A Tia Mara, minha madrinha emérita, mãe da Camila, do Thadeu e do Gustavo. A Tia Cristina, com quem organizou tantos Natais, Páscoas e sabe-se lá mais o quê, mãe do Marcos, do Pedro, Maria Marta e Maria Teresa. Tia Marisa, mãe do Dênis e do César. Tem uma comadre, inclusive, que nem cunhada era: Maria Luiza, mãe do Álvaro, da Roberta e da Drica, irmã do tio Orlando esse sim, cunhado. 
A Vera tinha um enorme prazer de ir ao Facebook e ver seus alunos casando, seus muitos colegas viajando (oi Beati), os filhos crescendo, os netos nascendo, as amigas fazendo coisas. Nos últimos seis meses, foi sua maior companhia e alegria, além dos filmes e séries da Netflix, os cuidados muitos e absolutos do meu irmão André que fez de tudo pra tornar a sua vida mais confortável e feliz. 
A grande luz dos seus dias, depois que o Danilo, o seu (o nosso) grande amor morreu, era o Caio Henrique. Pra este neto tudo. 
Ontem eu vi esse menino, do alto dos seus 8 anos, ser mais corajoso que muito marmanjo sessentão. Foi lá no caixão, viu a Vó Vera, explorou a morte com a leveza e tranquilidade que todos deveríamos ter. 
Não vou dizer que não dói. Roubaram meu coração, tenho um buraco no peito, tá doendo tudo (e claro que estou gripada). Já sei que vai doer por muito tempo. Foi esta a minha mãe, que me amou enlouquecidamente, que arrancava a roupa do corpo pra mim e pros meus irmãos. Tá doendo e não é pouco não. 
Eu sei que a dor há de passar, que um dia as lágrimas secarão. E vai ficar só o que a Vera realmente foi: esse farol potente de amor, carinho e cuidado. Uma força da natureza que nunca poupou nada, que deu tudo e pagou todos os preços mais dolorosos por sua generosidade, ingenuidade e amor. 
Agora, no dia seguinte do seu sepultamento, veio a resposta que eu nunca tive, que está me assombrando há alguns anos já. É muito melhor você dar tudo o que quiser e ser traída, maltratada, machucada (usem a figura que quiserem) do que não dar. Porque emocionalmente, quando você dá, você só ganha. Cabe a quem recebe fazer o melhor uso da doação.

Vai em paz, mãe. Te amo. 
E povo que fica: bora viver. Íntegros, de verdade, sem meias palavras, sentimentos ou o que for. Porque se vida é uma só, resta-nos vivê-la plenos

sobre o luto

Luto mesmo. Tô me batendo comigo, entre a tristeza e a sensação de leveza e liberdade, com a minha dor e a alegria de saber que ela já não tem dor…Enquanto isso ou bem tô sem banho, de pijama, roupão e pantufas, ou bem no uniforme da mãe: bonitona. era assim que ela gostava de me ver: produzidinha, combinadinha, elegantona no padrão dela. Tem o meu toque sempre. seja no brinco, no anel ou no tênis rosa choque.

Nina 2009-2019

Mais uma estrelinha. No fim de maio, a Nina se foi.

Sim, de novo convivemos com Síndrome Renal e dessa fez nem deu pra socorrer. Enquanto eu lutava com a dor, procurava atendimento pra dar descanso, ela morreu.

Seu corpinho preto e querido, que sempre estava perto, gelou.

E quando eu estava começando a organizar essa postagem, veio outra perda enorme, monumental, acachapante – que fica para o próximo post.

[interrompi e sigo, quase um mês e meio depois, para registrar essa passagem]

Nina foi uma gata preta e doce. Um tanto tímida, parecia envergonhada. Sempre minúscula. Jamais esqueci o primeiro peso: 965 gramas. Tivemos nove anos de convivência. Sempre foi uma gata doce – e um tanto assustadiça. Era dona do meu colo quando me deitava – e pulava assim que eu me mexia.

 

Seu lugar preferido: em cima da mesa

Sempre em volta de mim, adorava ficar entre eu e o teclado – ou na minha frente, na mesa. Nunca se entrosou muito com os outros gatos. Ela e Beta viviam a trocar “fus” e patadas. Não foram poucas as vezes que tive de interferir.

Adorava brincar e seus preferidos eram a varinha de pescar e as bolinhas.

Nina foi na frente abrir caminho pra Vera. Nem deu tempo de engolir essa perda e já tomei outro caldo…

Nina e Paula Maria
No colo de Paula Maria