Por Lucia Freitas
(inédito, escrito para revista Estampa, abril/2005)
A Ressonância Schumann está à solta na internet. Divulgada por uma apresentação que usa um artigo de Leonardo Boff, fazia uma relação entre a modificação da tal Ressonância Schumann (de 7,83 Hz para 13 Hz) com a sensação de aceleração do tempo.
O documento explicava porque os segundos, minutos e horas do dia não bastavam para atender todos os compromissos: o dia de 24 horas, na verdade tem 16 horas. Culpa da humanidade, de seu descaso com o planeta, de uma freqüência que perdeu o pulso.
A primeira pergunta: o que é a tal ressonância Schumann? Fernanda São Sabba, pesquisadora de relâmpagos e sprites no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), explicou o que é a ressonância Schumann. Aliás, ressonâncias. São ondas como as do rádio, só que, são causadas por relâmpagos e seus altos e baixos são longos (frqüências baixas). Santa Bárbara, São Jerônimo!
A explicação para o fenômeno vem da física: a superfície da Terra é um condutor elétrico perfeito. A ionosfera, a capa que contém nosso ar, a cerca de 90 quilômetros de altura, é formada por átomos eletricamente carregados, de alta condutividade. Entre estes dois pólos, a atmosfera, que é um péssimo condutor de eletricidade. Resultado: entre as duas camadas forma-se um capacitor, lugar onde se acumulam cargas e energia elétrica. Nessa cavidade ocorrem ondas eletromagnéticas com comprimento de onda (a distância entre o cume e o vale da onda) comparável ao tamanho do planeta.
A cada cabum, os relâmpagos produzem impulsos eletromagnéticos cujas freqüências mais baixas se propagam várias vezes antes de sofrerem degradação. Quer entender melhor? Quanto mais baixa a freqüência, mais comprida a onda. As de 3 Hz têm cerca de 100 mil quilômetros. O espectro resultante da superposição dessas ondas produzidas ao redor do planeta é a ressonância de Schumann.
Descoberta por Schumann na década de 50, essa ressonância é um ruído de fundo, tem diversos modos harmônicos. O princípio é o mesmo do som. Imagine uma corda de violão. Quando ela vibra inteira, você tem o harmônico fundamental. Se apenas metade da corda vibra, o som estará num harmônico superior e assim por diante. Algumas das freqüências de Schumann são 8, 14, 20, 26, 32 e 38 Hz. Como a ressonância Schumann sempre está presente, um batimento permanente, em diversos harmônicos, os estudiosos como a dra. Fernanda o usam para mapear os relâmpagos no planeta.
Tempo, tempo, mano velho
E como essa onda pode interferir com a sensação de tempo? Para o professor Luiz Menna-Barreto, coordenador do Grupo Multidisciplinar de Cronobiologia, da USP, isso é uma mistificação. Segundo ele, o fato científico é a lentificação da rotação da terra, coisa da ordem de segundo/ano. “O que ocorre, isso sim, é que trabalhamos cada vez mais e que a informação abundante nos cria um perpétuo (e crescente) sentimento de “estou perdendo alguma coisa importante””, diz Menna.
Estudioso dos relógios e ritmos biológicos, o professor Menna explica que uma das tendências mais freqüentes na história da ciência é tentar enxergar na natureza inanimada a explicação de fenômenos biológicos. Da tese de Descartes de que os músculos seriam bombeados pelo “espírito”, um líquido bombeado pelo cérebro, às tentativas de ler pensamentos através de eletroencefalogramas, o mundo da ciência está cheio de exemplos.
Professor Menna garante: é fato que a vida na terra é marcada por freqüências, como a rotação que nos garante a variação entre dia e noite. Há estudos na França sobre as influências de campos eletromagnéticos fortes, como o que temos na Avenida Paulista, nos organismos. Com a ressonância magnética funcional já temos mapas que mostram a atividade das regiões cerebrais e sabemos como funcionam as emoções mais básicas.
O mais importante é que se descobriu que a transmissão de informação entre os neurônios se dá pela freqüência da onda e não pela sua amplitude ou fase. A cronobiologia sabe também que os organismos têm relógios biológicos. Eles adiantam, atrasam, se ajustam. “É uma forma de nos adaptarmos ao planeta e ao ambiente onde vivemos. E isso independe de ritmos ambientais”, afirma Menna-Barreto.
E para descobrir mais, Menna está promovendo uma pesquisa de cronotipos, através da página do Grupo que coordena na internet (Cronobiologia). Você preenche um formulário, depois responde às perguntas e descobre se é um ser matutino ou vespertino. Enquanto a ciência não descobre se a ressonância Schumann nos afeta, resta-nos descobrir como funcionamos e tentar evitar as armadilhas da civilização. Como diz Boff em seu artigo: “respirar junto com a Terra para conspirar com ela pela paz”.