Mãe, Vera, Veroca

Nós morremos, esse pode ser o significado da vida. Mas nós fazemos linguagem. Essa pode ser a medida de nossas vidas.

Toni Morrison, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura

Minha mãe morreu segunda-feira, dia 17 de junho. A última imagem dela foi numa cama de UTI entubada, cheia de cânulas e tubinhos, com monitores de medicamento e batimentos cardíacos. Lembro (como não sei) que a primeira linha marcava 110, a segunda 68 e a última 33,2 graus. Eu não sou médica nem enfermeira, mas o olho registrou. Também ficou a noradrenalina, um dos remédios.

Mas a Vera de quem vou me lembrar de verdade é outra – algumas versões aí em cima. Será a mulher que sempre arrancou a própria pele para ajudar os outros. A amiga alegre da Iara, da Cândida, da vó Nina, da Cleide e tantos outros. A prima que adorava seus primos Ferreira Cintra, a tia que cuidava dos sobrinhos Botelho, babava com as fotos e notícias dos dois sobrinhos-netos, e só não ficou mais perto dos Teixeira de Freitas porque a gente tem mesmo esse defeito genético de ser um tantico distante – mas também somos seres amorosos, garanto a vocês. 
Minha mãe teve muitas cunhadas que amou. A Tia Maria Helena, mãe do João Paulo, do Luiz Francisco, da Maria Fernanda. A Tia Mara, minha madrinha emérita, mãe da Camila, do Thadeu e do Gustavo. A Tia Cristina, com quem organizou tantos Natais, Páscoas e sabe-se lá mais o quê, mãe do Marcos, do Pedro, Maria Marta e Maria Teresa. Tia Marisa, mãe do Dênis e do César. Tem uma comadre, inclusive, que nem cunhada era: Maria Luiza, mãe do Álvaro, da Roberta e da Drica, irmã do tio Orlando esse sim, cunhado. 
A Vera tinha um enorme prazer de ir ao Facebook e ver seus alunos casando, seus muitos colegas viajando (oi Beati), os filhos crescendo, os netos nascendo, as amigas fazendo coisas. Nos últimos seis meses, foi sua maior companhia e alegria, além dos filmes e séries da Netflix, os cuidados muitos e absolutos do meu irmão André que fez de tudo pra tornar a sua vida mais confortável e feliz. 
A grande luz dos seus dias, depois que o Danilo, o seu (o nosso) grande amor morreu, era o Caio Henrique. Pra este neto tudo. 
Ontem eu vi esse menino, do alto dos seus 8 anos, ser mais corajoso que muito marmanjo sessentão. Foi lá no caixão, viu a Vó Vera, explorou a morte com a leveza e tranquilidade que todos deveríamos ter. 
Não vou dizer que não dói. Roubaram meu coração, tenho um buraco no peito, tá doendo tudo (e claro que estou gripada). Já sei que vai doer por muito tempo. Foi esta a minha mãe, que me amou enlouquecidamente, que arrancava a roupa do corpo pra mim e pros meus irmãos. Tá doendo e não é pouco não. 
Eu sei que a dor há de passar, que um dia as lágrimas secarão. E vai ficar só o que a Vera realmente foi: esse farol potente de amor, carinho e cuidado. Uma força da natureza que nunca poupou nada, que deu tudo e pagou todos os preços mais dolorosos por sua generosidade, ingenuidade e amor. 
Agora, no dia seguinte do seu sepultamento, veio a resposta que eu nunca tive, que está me assombrando há alguns anos já. É muito melhor você dar tudo o que quiser e ser traída, maltratada, machucada (usem a figura que quiserem) do que não dar. Porque emocionalmente, quando você dá, você só ganha. Cabe a quem recebe fazer o melhor uso da doação.

Vai em paz, mãe. Te amo. 
E povo que fica: bora viver. Íntegros, de verdade, sem meias palavras, sentimentos ou o que for. Porque se vida é uma só, resta-nos vivê-la plenos

sobre o luto

Luto mesmo. Tô me batendo comigo, entre a tristeza e a sensação de leveza e liberdade, com a minha dor e a alegria de saber que ela já não tem dor…Enquanto isso ou bem tô sem banho, de pijama, roupão e pantufas, ou bem no uniforme da mãe: bonitona. era assim que ela gostava de me ver: produzidinha, combinadinha, elegantona no padrão dela. Tem o meu toque sempre. seja no brinco, no anel ou no tênis rosa choque.