Deu meu coração …

gift from lina
Música de Rubi, do Álbum Infinito Portátil

Deu meu coração

De ficar dolorido

Arrasado num profundo pranto

Deu meu coração de falar esperanto

Na esperança de ser compreendido

Deu meu coração equivocado

Deu de desbotar o colorido

Deu de sentir-se apagado, desiluminado, desacontecido

Deu meu coração de ficar abatido

De bater sem sentido

Meu coração surrado.

Deu de arrancar o curativo, deu de cutucar o machucado.

Deu de inventar palavras, pra curar de significado

O escuro aço denso do silêncio

No coração trespassado.

O que ninguém conta sobre o tratamento da depressão – e seus meandros – é a necessidade de ter paciência. Já dizia uma amiga: paciência é a ciência da paz. O horóscopo jura que a minha irritação e mau humor é por conta de um trânsito qualquer lá em cima. Duvido. É mudança de remédio, acerto de dosagem, gosto ruim na boca. Do escuro silêncio do coração trespassado, brota música.

A paisagem humana pede confiança – no psiquiatra, no terapeuta, no(s) remédio(s). Pede suportar os efeitos colaterais – do intestino que fica lerdo ao gosto horrível na boca. Pede agüentar com todo brio e elegância a angústia, a falta, as dores. Pede ir ao mundo e saber se conectar melhor com outros seres humanos e ambientes…

E confiança pede descanso em mim. Estou exausta.

Mapinha para lembrar um momento

cacos de cores
Este blog foi feito pra isso mesmo: registrar mapas e momentos de vida. Tratar depressão é chato e dolorido, fiquem sabendo vocês meus seis ilustres leitores (sim, eu comecei a olhar as estatísticas de novo).
Primeiro: é um saco acertar a dosagem do remédio. Segundo: a terapia anda por lugares fundos e doloridos. Tenho me sentido pior que a mosca do cocô do cavalo do bandido… mesmo. Não dá vontade de ver ninguém, de encontrar ninguém – e eu preciso conquistar o mundo se quiser sair desta. Que tal este dilema? Tá bom?

Então. Aí o trem é o seguinte: há um desbalanceamento químico. É fato. Mas o psiquiatra sabiamente se recusa a amortecer as dores do crescimento. No que, cá entre nós, eu concordo – afinal, será que sem elas o crescimento viria?

No último mês (desde o dia 17 de maio, para ser muito exata) tomei várias traulitadas bem dadas da vida. Sabem aqueles momentos-chave em que você sabe que se não mudar, f****? Pois é. Começou no grupo de estudo de anatomia emocional, em que a minha solidão foi apontada – e dissecada – de forma clara. Passei dias em transe. Do meio do transe me sai o que senti:

Quinta-feira, 21 de Maio de 2009

vergonha… sustentar… raiva… descoberta…

vergonha… atravessar o ritmo do campo corpante que vocês passaram o fim de semana construindo. Deixar a minha eletricidade invadir o campo…

sustentar a escuta… poder receber de alguma forma o feedback do grupo…

raiva… um gosto de “como assim, você não fez o grupo com a gente?” auto-raiva define melhor

descoberta… solidão eterna que parece cármica, mas é construída nos tecidos, nas conexões. Dar muito e receber pouco. Impossibilidade de me permitir uma nova forma? Uma certa repetição de um modelo que não gosto, do meu pai, que seduz e abandona, seduz e abandona, seduz e abandona…

Processo em andamento…

E a terapia comendo solta… Dá-lhe lembrar o que falta. Este contato íntimo comigo mesma é belo, embora dolorido. De uma concretude absoluta. Aprendo onde está a falta de limite, que não permito encaixes (o que limita minha expansão no mundo). Como funciona a cabeça produtiva… Duro é conter e sustentar aqui dentro toda a história que me trouxe até este exato lugar. Dói. E o psiquiatra não vai aliviar a minha barra…

Ao mesmo tempo, em paralelo, preciso criar estrutura para crescer, estar no mundo, fazer mais negócios, dar conta do trabalho. E cadê o foco? Cadê a Lucia que sabia fazer três coisas ao mesmo tempo? Onde foi parar meu bom humor? Mau humorada, irritada, chorona. Me isolo – e xingo a solidão. Ao mesmo tempo a vida está clara demais para que eu possa recuar. É preciso lutar – mais, lutar para vencer.

Enquanto isso o apetite desaparece. Comer sem vontade – só com a fome “orgânica” – é horrível, sabem? E até quem está longe vê – porque eu sei, é impossível esconder o que acontece de outros seres humanos. Mesmo que não consigam dar nome, eles vêem e sabem.

Por enquanto é só. Depois eu volto a registrar mais aqui. Back to work!